Diário de bordo # 2

O Ternura aconteceu de uma forma diferente da qual havíamos pensado. 

Depois de meses procurando pela captação ideal dos nossos sony 70, chegamos, enfim ao resultado que ainda carregava em si a cheiúra dos sons comprimidos, ainda que tivesse sido gravado com muito esmero na procura dos timbres. Isso estava longe das nossas pretensões iniciais. Após passarmos por breve período tentando, então, fazer a captação ao vivo das bases das músicas, notamos que perderíamos em definição do som, pois teríamos que usar no máximo 2 microfones por músico, o que resultaria em menos material fonográfico passível a ser equalizado, mixado e, senão, otimizado por nós em processo de modelagem futura das gravações.

Desta feita, então, partimos pra gravação convencional em pista e fizemos utilizando as locações do Caverna do Mar na graça e no Porão. Este sendo usado pras gravações das linhas de bateria. O disco ainda está sendo gravado. 

Entre as faixas que temos como quase prontas, está Vera Láxia, que tá passível de alguns comentários sobre o processo de composição e gravação, pra registro do diário.

É uma música que fala de linguagem. A letra tenta carregar o significado dos nomes, como Cláudia, a manca, a que claudica. Também traz a polissemia de 'bossa', a corcova do camelo e o corcovado, o animal em si e a forma como isso pode ser confundido facilmente como palavras do mesmo campo lexical da bossa nova e como a confusão pode levar ao caos, à explosão e ao recomeço. É como um ciclo estelar. Neste caso, um ciclo que tenta trazer nos arranjos algo que remeta ao próprio processo de dominação romana, em termos políticos e, sobretudo, lingúisticos. O latim veio lá do Lácio e foi dominando muito do que existia no mundo antigo e foi difundido, hoje está aqui presente, modificado, neste texto. Dessa forma, surge talvez, Cláudia, a romana, que toma tudo, é como o latim, que como os romanos, dominou tudo, ainda que mancos, como Cláudia, como  a própria língua que nos recheia e que está passível a erros e confusões. É uma música que, certamente, permite um monte de interpretações. 

A forma de condução da melodia traz o compasso '1-2', presente em algumas canções tradicionais gregas. Sob a predominância de instrumentos de corda, como os violões, a música ganha um caráter mais fluido, líquido, onde os teclados podem sobressair organicamente. O baixo e a bateria completam uma cozinha que fica alinhada ao que a música pede. O baixo, sobretudo, desenha linhas que convidam a sensações antigas, saudosas e dão peso aos refrões. Acredito que os violões sofreram forte influência da música "Orientação", de Tuzé de Abreu, na versão de Jussara Silveira, em riffs e toques palhetados frequentes.

É uma música cuja gravação inevitavelmente fica longe dos moldes das músicas de circulação, mas que traz uma boa carga de referências. Isso tira o sentido de encaixá-la em um gênero específico, dançante. Acredito que seja uma música cuja narrativa traga metalinguagem, metáforas e outras figuras cujo uso sequencial na canção, não deixariam em bom gosto, uma gravação da canção enquanto uma peça dançante.

O restante do disco, com exceção de Centend? e Egipsy foi gravado em série: linhas de guitarra de vez, linhas de baixo de vez.. etc. Em momento oportuno, poderá ser interessante comentar sobre o processo (que ainda está em curso) de gravação dessas faixas, ainda que não estejamos fazendo isso como uma empreitada de músca-a-música, uma vez que passamos a realizá-lo por faixa. 




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